Um folhetim da província
 


Moacir Amâncio


 

Os ingredientes básicos utilizados por Eustáquio Gomes no romance A Febre Amorosa são bons. O problema está na mistura e no tratamento desses ingredientes, na dosagem dos temperos.
Entre as coisas boas encontra-se a escolha do cenário. O romancista não localizou sua história, um folhetim, numa hipotética capital, ponto de confluência de paixões e ambições atraídas por todas as luzes da ilusão. Também não elegeu uma folclórica cidadezinha interiorana. Sua febre amorosa, que lembra nome de chorinho brejeiro, se passa numa cidade média, Campinas. Uma Campinas de fim de século, momento propício para a eclosão de febres amorosas, políticas, místicas, literárias etc.

O objetivo do escritor é redigir uma pseudocrônica de província. Em vez de mergulhar num labirinto psicológico e quejandos, pântanos sociais e metafísicos, prefere ficar nos limites da observação gozadora, no traço rápido da caricatura projetada no tempo, porém com um detalhe: a partir de agora. Evidentemente, o que temos não é um desfocado retrato da virada do século e sim uma sátira bem plantada no presente. Acaso teria o microcosmo campinerio ou o país mudado? Aí estão a velha safadeza ideológica, a inesgotável leviandade dos políticos, o oportunismo militarista, a famosa e cordial falta de caráter generalizada que permite as mais disparatadas conveniências e os conúbios mais esdrúxulos. Por que a República não iria para a cama junto com a Monarquia levando ocasionalmente uma prostituta, lídima representante popular, para algum divertimento adicional? Por que não, se no fim as oligarquias se acertam e o povo... ora o povo.

Eustáquio Gomes fala do sobradão, do marido traído, do bordel, do padre, sua amante do "fruto do pecado", do jornalista embrulhão, interesseiro, analfabeto mas posudo como se dominasse quase todo o alfabeto, da mulher desprezada que fica entre a liberação e o preconceito. Até aí tudo bem. No entanto, o humor muitas vezes fica contido, o clichê não é superado, permanece clichê mesmo. A contenção sugere busca de equilíbrio. Acontece que equilíbrio é o que menos interessa num texto como esse. A opção pelo deboche não permite volta.

Claro, há sempre intenção de paródia no tom comedido, a ironia pontilhando, mas a grossura dos fatos e o óbvio dos clichês só podem ser superados com a radicalização através da linguagem. Pelo menos na perspectiva que o livro parece pretender. Além disso, nem sempre a condução dos personagens satisfaz. Possibilidades hilariantes  são perdidas com Angélica, que prometia dominar o romance graças a uma vitalidade bandalha. Ela acaba se apagando. O romancista também não esconde simpatias. Nenhum problema se isso não levasse ao perigo do maniqueísmo. São questões que o leitor devolve ao romancista. Conseguirá Eustáquio Gomes evitar as armadilhas do labor literário? Veremos no próximo capítulo.