"Jonas Blau", romance fiel às situações de 64
Primeiro foi a Copa de 70 (“Os
Jogos de Junho”), depois a epidemia da febre amarela em Campinas de
1889 (“Febre Amorosa”), agora o movimento de 1º de abril de
1964 em “Jonas Blau”. Mas Eustáquio Gomes, autor também
de três outros livros, entre poesia e prosa, não tem preocupação
didática ao escrever. Ou seja, passar informações
acerca dos fatos históricos que costuma usar como pano de fundo.
“Uso determinados períodos da história sempre como contraponto
na busca de vida dos meus personagens, principalmente porque a ficção
sempre é melhor sobre uma realidade”, explica. “Procuro um texto
mais verdadeiro possível, que identifique com a realidade das pessoas,
fazendo com que as próprias palavras digam com máxima fidelidade
as situações, impressões e sensações”.
Lançado pela Brasiliense
há cerca de um mês, Eustáquio ainda aguarda pela opinião
da crítica especializada. “Febre Amorosa, meu romance anterior,
teve boa aceitação, mas isso nada me assegura, pois “Jonas
Blau” é um trabalho totalmente diferente”, frisa o autor, mineiro
de Campo Alegre, 33 anos, assessor de Imprensa da Unicamp. Publicado em
forma de folhetim durante quatro meses em “O Estado de São Paulo”,
a convite de Luís Fernando Emediato, “Jonas Blau” já
existia na mente de Eustáquio antes mesmo do lançamento do
Caderno 2. “Ele era um romance em formação, estruturado,
mas não para uma história fragmentada. Por isso tive que
mudar seu rumo, tecnicamente, me concentrando no estilo folhetinesco”.
O impacto do levante militar de
1964 sobre um grupo de adolescentes num colégio interno do interior
de Minas Gerais (e seus desdobramentos na semana que se seguiu ao golpe)
é o tema de “Jonas Blau”. Mas, especialmente a história
do garoto Jonas, candidato a escritor e místico, então colocado
frente a problemas morais para os quais não estava preparado. Dirigido
por um fanático ex-capelão, o Colégio Cristo Rei transforma-se
num simulacro do País conflagrado, e Jonas vê-se de repente
na condição de líder, protetor e algoz de seus colegas.
Com seus 12 anos, ele também faz sua revolução particular.
Descobre a perda da própria inocência, a capacidade de tiranizar,
até que amadurece.
Eustáquio lembra que essa
passagem da História, da qual ele também fez parte, ainda
não foi julgada convenientemente, mas o romance e a poesia começam
a levantar do ponto de vista individual, no caso de seu livro, segundo
a visão de um menino. “Creio que falo em nome de uma geração
de meninos brasileiros que bebeu leite doado pela Aliança para o
Progresso e chorou a morte de John Kennedy como a de um pai. Nossos pais
verdadeiros estavam assustados com a inflação anual de 90%
e temíamos vir a ser comidos pelos comunistas. Claro que tínhamos
de vibrar com a derrubada de Jango”.
Teatro e novo romance
Apontado pela crítica como
uma das revelações da prosa brasileira nos últimos
tempos, Eustáquio, no entanto, se considera um escritor do “terceiro
time” e diz que só não parou de escrever porque os do primeiro
estão inativos. “Não têm surgido grandes romances nos
últimos cinco anos. Se compararmos à década de 50,
quando tínhamos Guimarães Rosa e Clarice Lispector, entre
outros, o resultado atual é melancólico”, explica. Não
descarta, porém, alguns autores novos que curte muito, caso do Ivan
Angelo, Osvaldo França Júnior e Domingos Pellegrini.
Eustáquio começou
escrevendo poesias. Seu primeiro livro foi publicado em 75. Nos últimos
anos confessa que mergulhou de vez na prosa. “Continuo lendo todos os gêneros
literários e estou atento às tendências, mas acho que
a poesia é coisa para a maturidade. Embora o pouco que sei a respeito
da frase eu tenha aprendido através dos versos”.
Atualmente, acaba de concluir a
adaptação para o teatro de seu romance “A Febre Amorosa”,
a pedido do ator Carlos Augusto Strazzer, que pretende montar o espetáculo
com a Sia Santa. E começa a escrever um novo romance, “O Verão
da Abelha Silvestre”. Desta vez, o pano de fundo é a agonia
vivida por Tancredo Neves. “É a história de uma mulher que
um dia resolve voar”, adianta o autor. “São três histórias
entrelaçadas que falam da descoberta de uma vida real de uma mulher
que estava no seu casulo. Não do ponto de vista dela, mas de três
homens. Cada um é narrados de uma versão”.
Correio Popular - 28/12/1986 |