PAISAGEM COM NEBLINA
E BULDÔZERES AO FUNDO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Paisagens de Eustáquio Gomes
 


Daniel Lopes


 



Li por esses dias o livro Paisagem com neblina e buldôzeres ao fundo (Geração Editorial, 2007, 151 págs.), de Eustáquio Gomes. Já soubera antes da existência de livros com o que podem ser contos disfarçados de capítulos de um romance, e também de romances fragmentários, romances autobiográficos, mas nunca havia lido um romance autobiográfico com alguns capítulos passando-se muito bem por contos, outros por crônicas, um sendo trechos de diário, e outros (e todos), finalmente, por capítulos de um romance autobiográfico. Graças a Eustáquio, pude ter essa experiência.

Quando falo de capítulos que muito bem poderiam ser contos, tenho em mente, por exemplo, aquele “Sabiá na madrugada” que começa à página 71, do mesmo jeito que uma crônica-capítulo seria “Pânico”, que vem imediatamente após o conto-capítulo. Ou seriam capítulo-crônica e capítulo-conto? Tanto faz? Porque esse livro de “cromos” – como o autor mineiro lotado em Campinas denomina as peças do romance – tem desses mistérios, e faz a gente pensar até que limites uma obra ficcional ou autobiográfica pode ir.

Paisagem..., quarto romance de Eustáquio, é dividido em quatro partes. A primeira, são os causos da infância do narrador-autor no povoado mineiro de Campo Alegre. A segunda, sua juventude em Campinas, onde lemos como aquele personagem, com a cara e a coragem, disse a um editor que havia escrito um livro de contos e queria publicá-lo, sendo que na verdade não tinha escrito nenhuma linha, e quando o editor lhe deu quinze dias para apresentar a obra, teve que, nesse período, escrever um conto por dia – o que resultou no livro Mulher que virou canoa (1978); suas saudades de aspectos da infância; seu emocionante diário em quatro páginas que acompanha o definhamento e a morte da mãe.

A terceira parte, “Fragmentos de um romance de juventude”(..). A última parte é “A viagem de volta”, para rever personagens e locais da infância, em Campo Alegre. Mas é uma viagem rápida essa, quase uma escala, ainda assim deliciosa de se ler.

Eustáquio é uma das descobertas mais agradáveis que já fiz no campo da literatura brasileira. Coloco com muita tranqüilidade seu livro ali na estante, ao lado de Graciliano Ramos, Dyonelio Machado, Caio Fernando Abreu, Milton Hatoum e outros. É muito bom ser um contemporâneo seu. No futuro, os brasileiros que ainda terão algum tempo para desperdiçar com literatura dirão, como teria sido bom ser contemporâneo de bons escritores como Eustáquio Gomes e Milton Hatoum. Da mesma forma que, mundo afora, dirão, como deve ter sido excitante viver nos mesmo dias que Coetzee e Philip Roth, e ter a chance de ler seus livros tão logo eram publicados. 

Não vejo a hora de ter em mãos A febre amorosa, romance de 1984 desse sujeito que, como define, “comete livros”. No ano em que eu estava nascendo, ele aparecia com o que alguns consideram um dos melhores romances brasileiros do século passado, e que mereceu uma tradução na Rússia. Não vejo a hora.
 

Digestivo Cultural, 10/08/2007