Ecos do Modernismo no interior
Marcos Faerman
O barulho da Semana de Arte Moderna
de 1922 chegou ao interior de São Paulo, ou apenas se alastrou por
outras metrópoles, como Belo Horizonte, Salvador ou Porto Alegre?
Com essa pergunta na cabeça, e um bocado de paciência e bons
métodos para pesquisar, o escritor e jornalista mineiro Eustáquio
Gomes se lançou numa peripécia intelectual da qual resulta
o livro de ensaio, recém-saído do forno, Os rapazes d'A
Onda e outros rapazes (Pontes Editores/ Editora da Unicamp). A primeira
palavra de encantamento com a obra de Gomes vem de uma poeta que vive em
Campinas, exatamente uma das cidades em que o ensaísta descobriu
mais rastros modernistas: Hilda Hilst, que ficou muito emocionada com o
livro, e com razões para lá de justas.
Um dos quatro poetas e panfletários
que Eustáquio Gomes descobriu nas águas do "modernismo caipira"
foi o pai de Hilda, Apolônio Hilst. Eustáquio andava pesquisando
num jornal de Jaú quando se deparou com esse nome - e telefonou
para Hilda, querendo saber se era parente. O prêmio de Eustáquio
pela descoberta foi um pacotão de originais de Apolônio, que
Hilda tinha conhecido apenas aos três anos de idade. "Meu pai ainda
não estava louco -- conta Hilda -. Depois, eu passei a vê-lo
só em sanatórios. Ele enlouqueceu, mas nunca deixei de pensar
nele como um escritor. Conheci coisas suas publicadas e muitos originais.
Sempre tive vontade de resgatar ou continuar o trabalho dele. Esses desejos
também colaboraram para que eu me tornasse uma escritora".
Desenvolvendo sua pesquisa em torno
de personagens e situações "não margeadas", como ele
diz, Eustáquio chegou a alguns autores desconhecidos, ou quase,
como o próprio Apolônio, Rodrigues de Abreu, de Capivari,
ou Aristides Monteiro e Hildebrando Siqueira, de Campinas. Deles, o único
vivo é Aristides Monteiro. Ele tem 89 anos, vive no Rio de Janeiro,
onde foi, a vida inteira, burocrata da Carteira de Comércio do Banco
do Brasil. Quando Eustáquio Gomes o procurou, dele ouviu que devia
haver algum equívoco. Nunca tinha escrito poesias muito boas. Escrevera
a última delas em 1925! Já
Apolônio Hilst nem lembrava que tinha escrito e publicado, num jornal
de Campinas, um artigo em defesa do Modernismo.
Hildebrando Siqueira foi também
um modernista caipira. Como diz Eustáquio Gomes, Siqueira escreveu
"fragmentos sutis, à maneira de Álvaro Moreyra e do 'Prefácio
Interessantíssimo"'. E foi apaixonado defensor do Modernismo. Já
Rodrigues de Abreu era homem de Capivari, e conhecido como bom poeta do
interior. O ensaísta afirma que todos esses autores enfrentaram
um mesmo e enorme problema: "A província não oferecia condições
ideais ou atmosfera apropriada para a circulação do produto
editorial dos seus modernistas". Mesmo assim, afirma que esses poetas “estavam
no nível de um Agenor Barbosa, modernista pioneiro da capital".
Ou seja, eram poetas de "nível médio".
Entre os modernistas que Eustáquio
Gomes descobriu no interior está Apolônio Hilst, pai da escritora
Hilda Hilst e um dos rapazes d'A Onda de que fala o título
do livro.
Modernistas e republicanos
Eustáquio Gomes diz que centrou
sua pesquisa nesses quatro autores, mas tem certeza de que em cidades como
Ribeirão Preto ou Bauru o modernismo também chegou. Ele detectou,
ainda, o papel enorme de Publicações como A Onda,
de Campinas, que circulou de 1921 a 1925, na divulgação dos
ideais estéticos e de alguma produção poética
modernista. Além do mais, constatou que "todas as publicaçoes
que abrigavam idéias modernistas eram do Partido Republicano, como
o Correio Paulistano, de São Paulo Isso podia fazer parte de um
estratégia Política ("conservadorismo que dourava a pílula
com ideais estéticos avançados"). O Partido Republicano "fazia
uma apologia do futuro, da velocidade, da máquina, tudo o que” -
como diz Eustáquio - "está virando sucata porque o mundo
deu outra virada", Eustáquio Gomes vê as raízes do
modernismo caipira ("não necessariamente vinculado à vanguarda
paulistana") em fenômenos sociais, econômicos e culturais muito
amplos. A começar pela fome de viagens dos barões do café,
sempre com um pé em Paris. E de lá eles traziam não
apenas as revistas da moda como L'Illustration, como todos os totens da
modernidade: "A paixão pela velocidade, pelo cinema, e toda a parafernália
tecnológica inventada na virada do Século". Uma cidade como
Campinas estava próxima de Paris e Londres. Nos anos 20 suas ruas
eram invadidas por automóveis. Dois anos depois da invenção
do telefone, os campineiros já dele se serviam. O cinematógrafo
foi inventado em 1895, pelos irmãos Lumière, na França,
e dois anos depois, Campinas já via filmes. “Ora - conclui Eustáquio
Gomes - o cinema altera a noção do tempo linear, a noção
de mundo das pessoas trazendo a questão da fragmentação
do tempo etc. Tudo isso preparou o terreno para que emergisse uma nova
estética nas cidades do interior".
Jornal da tarde 08/01/1992 |