Biografia do Sr. Chatran
 

Eustáquio Gomes



Nasci em 3 de setembro de 1989, filho de Xexéo e Safira, na residência do editor de arte Oséas de Magalhães. Ali permaneci apenas um mês, pois no dia 5 de outubro desembarquei com armas e bagagem na casa do jornalista Eustáquio Gomes, doado como presente de aniversário. Fui-lhe solenemente entregue com uma fita vermelha em volta do pescoço. Nesse mesmo dia ganhei meu nome, que devo ao herói do filme As aventuras de Chatran, um dos preferidos de minha ama e das crianças, que sempre adoraram felinos.

Cheguei pequenino e minhas primeiras fotos dão-me a aparência de um ratinho albino. Dizem que nessa época eu era muito brincalhão e não parava quieto, subindo pelas cortinas e até escalando as pernas de meus protetores. Mas o ar pacífico e inofensivo já era uma de minhas características. Tanto assim que tive um autêntico amiguinho de asas que folgava descansando nas minhas costas, o pardal Werninho, recolhido da rua por minha ama depois de ter caído de uma árvore. Tenho muita saudade desse bom companheiro.

Conheci a doce Kátia e tive duas filhas com ela: a afável Alison e a esperta Waka. Alison já se foi, mas a Waka permanece entre nós, ao lado de outros 12 felinos, a maioria netos meus, num quintal que não é vasto mas também não é pequeno. Há uma goiabeira que dá frutos, uma espirradeira que dá flores, um mamoeiro, uma roseira de três metros de altura (acreditem ou não!) e vários tufos de plantas onde nos dias de calor a gente se refugia para preguiçar ou brincar de esconde-esconde. Dormir é meu maior prazer (daí a frase de meu amo, de que os gatos já nascem aposentados), talvez só comparável ao de comer, desde que se trate de um bom filé de frango desfiado. Sou um bom gourmet e costumo não deixar por menos. Percebo logo quando meu amo chega com pacotes do supermercado e fico postado na porta, esperando a minha parte, atento ao menor ruído. Se demoram com a iguaria, reclamo com uns miados graves e plangentes. Em geral tenho sucesso. 

Não pensem que não tenho noção do certo e do errado. Sou limpo, limpíssimo. Teimosia não é comigo e sei me relacionar com os humanos. Minha ama chega a me colocar em volta de seu pescoço, como um xale, sem que isso represente qualquer risco para ela. Por coisas assim fui classificado de “ternura” por meu veterinário, que é um bom sujeito apesar das agulhas.

No momento em que escrevo tenho 13 anos e estou muito bem de saúde. Tenho mais idade e mais experiência que todos os meus companheiros de quintal, exceto Alain, o veterano da casa, que caminha galhardamente para os 18 anos. Os demais variam em idade, sexo e porte: Acássio, Simon, Marcelo, Keanu, Bigode e Chico — os machos; as fêmeas: Waka, Irma, Yrma, Kátia, Raízes e  Marcy, esta última minha predileta, não por ser siamesa mestiça, mas por outras qualidades que não é o caso de enumerar aqui. Devo mencionar também uma companheira que vive do lado oposto da casa, separada de nós por duas portas, a amável Flora, cujos latidos sempre ouço mas a quem pouco vejo.

Por tudo o que disse a meu respeito, podem imaginar que sou livre de defeitos. Não é isso. Gosto de carinho e me torno manhoso quando não os recebo. Chego a me deitar de barriga para cima para exigi-los. E me deixo dominar por ciúmes se meus amos paparicam demais algum gato que não eu. Em geral, quando se retiram, aplico dois ou três tabefes no beneficiário. E que não se atrevam a mexer comigo: o castigo vem a cavalo, isto é, a gato ligeiro. A pata vibra no ar e o patife se escafede. Mas, para sorte de todos, minha raiva não dura mais que 15 minutos. Logo volto a ser pacífico, amoroso e sonolento como sempre. Assim sou eu. Agora vejam a minha página.