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Modernidade e Política
Mocidade louca
Eustáquio Gomes
Abril de 1927. Com um capital de
trinta contos e equipamentos ematados da massa falida de uma pequena companhia
cinematográfica, um grupo de operários de Campinas lança-se
à aventura de produzir um filme. Mocidade louca estréia quatro
meses mais tarde, contando a história de um rapaz do interior que,
de posse do automóvel do pai, parte em busca de emprego na "cidade
grande" - pitorescamente, a provinciana Campinas. A caminho, o acaso trabalha
a seu favor fazendo-o espectador de um acidente em que uma jovem, na direção
de uma baratinha, sai da estrada ao desviar-se de uma vaca e mergulha no
rio. O rapaz resgata a moça e é recompensado pelo pai dela
com um alto cargo na fábrica de seda da qual é proprietário.
Seu heroismo se cristaliza quando vem a salvar a fábrica de um incêndio
ateado por gângsters a soldo da concorrência. O resto da história
se dissolve em beijos discretos e um casamento faustoso.
Teriam tido os operários
da Selecta Film consciência de que, sob a simplicidade da história
de Newton Rios - o jovem herói rebelde -, ocultavam-se alguns dos
mitos e aspirações da modernidade dos anos 20? e de que essas
aspirações, tendo finalmente chegado à província,
refletiam o movimento espiritual das metrópoles internacionais e,
mais que isso, o espírito do tempo embutido nos signos das vanguardas
européias das duas primeiras décadas?
Conscientemente ou não, o
fato é que o filme exaltava - como no Manifesto Futurista - "a revolta
e o amor ao perigo", utilizando como instrumento de ruptura "a beleza da
velocidade" (o automóvel), que ao entrar em choque com o passado
agrário (a vaca) franqueia a ascensão social do herói
sob o rumor estimulante das linhas de produção e, finalmente,
solidifica seu êxito no calor da moderna competição
industrial.
Bem ou mal, os tótens da
modernidade desde Baudelaire estão aí reunidos sob a capa
ingênua de um argumento romântico. Mas a intencionalidade da
história o que revela é um desejo moderno: o de conferir
à província status de metrópole e, com isso, inseri-la
na dinâmica do século cosmopolita. Não era outra
a aspiração dos barões do café que cruzavam
regularmente o Atlântico a bordo do navio Orénoque e, muito
antes deles, dos intelectuais que vicejavam à sombra da política
republicana e dos pequenos jornais. "Não está longe o dia",
escreve um cronista de 1924, "em que poderemos, artisticamente falando,
fazer descansar Campinas na ponta da Torre Eiffel". Era a província
tentando negar a si mesma para aspirar a ser a polis no mais alto sentido
europeu: da ponta de uma torre de cartão postal, descortinar o axis
mundi da cultura dos twentíes, isto é, Paris.
É significativo que, quarenta
anos antes, nos estertores do Império, tenha partido de Campinas
o libelo separatista que, lançando mão de argumentos políticos,
contãbeis e até biológicos, intentava plantar a idéia
de uma "pátria paulista" tão viável quanto a Dinamarca,
a Suíça e a Grécia. Com efeito, São Paulo ostentava,
já então, uma receita orçamentária maior que
a desses três países, cujas populações eram,
em comparação, ligeiramente mais numerosas. Alberto Sales,
o autor do libelo, almejava para São Paulo o prestígio de
nação européia. Afirmava, com isso, seu intenso desejo
de aproximar-se do eixo do mundo atirando a província cafeeira no
vórtice do industrialismo e da fermentação das grandes
idéias. Bem podia caber a Campinas o papel de uma Zurique temperada.
Para essa atmosfera de idealização
cosmopolita contribuía certamente o incremento da mão-de-obra
européia a partir de 1890, quando esse contingente já representava
21% da população local. O censo de 1918 acusava a presença
de 24.515 estrangeiros em meio a uma população nativa de
80.497 habitantes, ou seja, uma fatia de quase um terço. Por volta
de 1910, a maioria desses estrangeiros já estava perfeitamente estabelecida
no mercado de trabalho e passava rapidamente do artesanato para a manufatura,
da lavoura para a indústria, muitas vezes como proprietários.
A segunda economia do estado mantinha-se às custas da lavoura cafeeira
mas também de numerosas caldeirarias, olarias, refinarias de açúcar,
gráficas, alfaiatarias, sapatarias, relojoarias, livrarias, farmácias,
corretores de café, casas de câmbio e lojas de tecido que
se espalhavam pelas ruas centrais e pela periferia. Nesse mesmo ano
um levantamento da prefeitura indicava que dos 6.188 prédios do
perímetro urbano, mais da metade pertencia a cidadãos portugueses,
italianos, alemães, espanhóis, franceses, americanos e ingleses.
É um truísmo dizer que o padrão econômico trazido
ou aqui conquistado pelos imigrantes levou os nativos a uma imitação
compulsiva de seus padrões culturais.
Mas os próprios padrões
da cultura européia estavam mudando e a aristocracia da província,
viajada e lida, não estava alheia ao violento processo de aceleração
histórica que se preparava. já em 1878, dois anos após
o anúncio da invenção do telefone por Graham Bell,
promovia-se uma demonstração do aparelho na cidade, e em
1884 a Empresa Campineira de Telefones obtinha permissão para assentamentos
de linha e abertura do registro de assinantes. Muito expressivamente, a
primeira linha ligava a companhia telefônica a uma redação
de jornal.
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