“Napoleãozinho” conquista o interior paulista
Romancista de pena afinada, autor do vivaz "A Febre Amorosa",
Eustáquio Gomes escolheu o jornalismo literário como estilo
para seu O Mandarim - História da Infância da Unicamp,
em que traça um retrato dos prelúdios da universidade que
completa 40 anos. A partir da figura controversa de Zeferino Vaz, o autor
conta como de um canavial surgiu uma das mais importantes universidades
brasileiras.
O livro é lançado na mesma semana em que
chega às livrarias "Unesp 30 Anos - Memória e Perspectiva",
catálogo compilado por Anna Maria Martinez Corrêa que mostra
a expansão da instituição em questão e suas
áreas de atuação. Coordenador da área de comunicação
e imprensa da Unicamp desde 1982, Gomes debruçou-se na história
da universidade por 20 anos, nos quais colheu depoimentos levados à
convergência para a versão final de sua história.
O resultado é um retrato bem-humorado que cobre
um período que vai de 1956 - ano em que Zeferino Vaz lidera a campanha
pela criação de uma faculdade de Medicina em Campinas -,
e termina em 1982, com a conturbada posse do reitor José Pinotti,
ou seja, o argumento recai sob a "era Zeferino" - lembrando que ele atuou
como reitor da Unicamp por 12 anos. Já no primeiro capítulo,
é visível o tom de romance de suspense (de qualidade). Em
1982, algum tempo depois de ter deixado o cargo de reitor, Zeferino Vaz,
aos 72 anos, grita por socorro no gabinete na reitoria da universidade
que ajudara a criar. Morre vitimado por complicações de uma
operação feita para a cura de um aneurisma na aorta abdominal,
sete dias antes de um cruzeiro que faria a Fernando de Noronha (viagem
esta que seria a última do transatlântico Navarino, destruído
por um incêndio em alto-mar).
Médico e professor catedrático, com seu
1,58 metros e 60 quilos, Vaz era tratado por alguns como Napoleãozinho,
enquanto outros preferiam descrevê-lo com perfil quase que épico.
Ele preferia dizer que era um mandarim, como aqueles altos funcionários
do governo chinês. O que Vaz queria mesmo era um cargo vitalício
na reitoria da Unicamp, instaurando um "mandarinato dos trópicos",
como costumava dizer. Gomes aborda questões de caráter de
seu personagem, sem portanto taxá-lo como herói ou mal-caráter.
Ao término da leitura fica claro o papel essencial do aventureiro
Vaz ao desbravar um canavial e, a partir daí, montar uma importante
universidade segundo suas próprias convicções.
Entre as peculiaridades do Napoleãozinho descritas
por Gomes, chama a atenção seu trânsito livre e irrestrito
entre governos militares e movimentos de esquerda surgidos nas universidades.
Mais de um general o viu invadir porões do regime militar para negociar
a liberdade de membros da Unicamp. "Dos meus comunistas cuido eu", costumava
bradar aos cabeças do regime. Assim, ao percorrer a biografia de
Zeferino Vaz, Eustáquio Gomes conta como surgiu a Unicamp, em meio
a idealismos e às batalhas da época, inclusive as internas.
Desbravando o interior Assim como a Unicamp, a Unesp
nasceu dentro das convicções desenvolvimentistas espalhadas
por Juscelino Kubitschek (1902-1976), entre elas, um dos desafios era expandir
o Brasil para além do litoral. O livro "Unesp 30 Anos - Memórias
e Perspectivas" não tem o charme descritivo do livro de Eustáquio
Gomes, mas serve como fonte de pesquisa sobre uma universidade que conseguiu
formar uma rede a partir da incorporação dos Institutos Isolados
de Ensino Superior do Estado de São Paulo, situados em diferentes
pontos do interior paulista, por determinação do então
governador Paulo Egydio Martins. Se para o polêmico Zeferino Vaz
educar era sinônimo de amar, como ele apregoava, para a Unesp - isso
fica claro após a leitura do catálogo - instruir é
aliar memória, presente e futuro.
Gazeta Mercantil, 08/12/2006
Caderno “Fim de semana”, página 8
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