Jornalismo literário e ciência:
a presença do rompimento de
níveis e da relativização de
perfis
Mateus Yuri Passos
Universidade Federal de São Carlos ,
São Carlos, SP
(...) Já a segunda invariante predomina em
OMandarim, de Eustáquio Gomes. Tratando da fundação
da Unicamp e de seu primeiro reitor, Zeferino Vaz (médico e homem
de ciência, embora concentrado na gestão), toda a obra é
um longo perfil relativizado desse protagonista. Não pode ser considerada
uma biografia, todavia, porque explora apenas um “aspecto” e momento do
personagem – a formação da universidade. O Mandarim
pode ser considerado um caso singular no jornalismo brasileiro: o autor
é o chefe da assessoria de imprensa da Unicamp, em cujo jornal a
obra saiu como folhetim, em capítulos, como parte das comemorações
dos 40 anos da instituição.
Era de se esperar que o livro fosse elogioso e exaltasse
a figura de Zeferino, mas a estrutura do seu perfil é complexa –
é impossível julgá-lo: homem nervoso e autoritário,
um mandarim ou “Napoleãozinho”, simpatizante do regime da ditadura
militar que ao mesmo tempo em que fazia discursos nos aniversários
do Golpe de 1964 defendia professores e estudantes tachados de subversivos,
inclusive visitando-os na prisão e negociando sua soltura – “Dos
meus comunistas cuido eu!” (apud GOMES, 2006, p.74), dizia. Era contrário
ao sistema de cátedras e liberal quanto ao ensino. Um visionário,
poderia-se dizer. Ainda assim, chegou a dizer que a computação
não tinha futuro.
Todavia, pensava a longo prazo, prezando pela qualidade
dos que herdariam a instituição, como indicado na afirmativa,
carregada de um rompimento de níveis de sua própria autoria:
“acontece que não sou dos que plantam couves para comer pessoalmente
amanhã. Prefiro plantar perobas que hão de beneficiar as
gerações futuras” (VAZ, apud GOMES, 2006, p.19).
A narrativa apresenta um Zeferino que comparava os catedráticos
a senhores feudais e gostava de distribuir bombons às secretárias
e de comer pipocas, em cenas de preenchimento que executam novos rompimentos
de níveis. Uma fusão da técnica à relativização
de perfis (expositiva, não acompanhada de uma análise argumentativa)
mostra que Zeferino nem sempre se posicionava do mesmo lado dos alunos
da Unicamp, quando estudantes se rebelaram porque a prova para cursos de
ciências exatas e biológicas seria igual e conseguiram uma
liminar que impedia a realização do vestibular. Depois de
quarenta dias sem aulas, Zeferino finalmente conseguiu desinflar essa primeira
rebelião discente. A história que correu, não confirmada,
era que na véspera do exame, com um helicóptero emprestado,
ele pousou ruidosamente nos jardins residenciais de um juiz-desembargador
onde se dava um churrasco, e ali mesmo obteve a cassação
da liminar. Consta que teria ficado para o churrasco (p.68).
Extrato de trabalho apresentado no XXXI Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação e Intercom –
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
– Natal, RN – 2 a 6 de setembro de 2008
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