O MANDARIM
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Unicamp: síntese de beleza, verdade, vida
 


Roberto Romano


 


A Unicamp chega aos quarenta anos com força excepcional e maturidade, coisa rara em instituições acadêmicas recentes. Um elemento notável na transmissão de saberes e técnicas reside no fato de que universidades jovens podem adquirir em poucos anos o tesouro de ciência e arte engendrados no pretérito. Mas não apenas a coleta de sapiência antiga caracteriza a nossa universidade. Ela é uma plataforma do futuro porque gera figuras novas do pensamento, da vida social e das ordens naturais. Nas palavras contidas mas justificadamente orgulhosas do Magnífico Reitor, José Tadeu Jorge, em artigo de grande repercussão, a Unicamp lidera a escala dos institutos que produzem ciência em proveito da sociedade brasileira. Segundo levantamento do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) nossos centros de pesquisa ostentam “191 depósitos de patentes, seguida pela Petrobras, com 177, e pela Arno, com 148. Como o levantamento se refere ao período de 1999 a 2003, é provável que a liderança da Unicamp tenha se alargado desde então. No momento em que este artigo era escrito, a universidade já somava 416 patentes depositadas”. (Folha de São Paulo - Tendências e Debates - 5/6/2006).

Ao sintetizar os conhecimentos passados, dando-lhes rumos que trazem descobertas relevantes, os nossos campi desmentem enunciados ideológicos que afirmam, sem exame e prudência, que as universidades paulistas vivem em torre de marfim, alheias aos sofrimentos e dilemas do país. Se existe esperança para a nossa pátria, ela encontra-se nos laboratórios de biologia, química, física, engenharia da Unicamp. Se existe esperança para a nossa pátria, ela encontra-se nas pesquisas matemáticas, médicas, antropológicas, educacionais, políticas empreendidas na Unicamp. Se existe esperança para a nossa pátria, ela não se encontra nas condenações da ciência —sobremodo na área da genética— em nome de partidos, movimentos sociais equivocados, ou religiões que não atendem ao interesse dos seres humanos mas preferem dogmas às conquistas do saber. Se existe esperança para a nossa pátria, ela não se encontra no analfabetismo científico de muitos dirigentes políticos, os quais retiram recursos dos laboratórios em proveito da melancólica demagogia plebiscitária.

A sociedade brasileira encontra na Unicamp uma exata retribuição dos recursos financeiros alí depositados. Cada centavo dirigido aos campi rende milhares em reais ou em dólares. Mas semelhantes recursos também cumprem função espiritual elevada: a vida de seres humanos aos milhares tem sido extraída das garras da morte pela Faculdade de Medicina, a mesma vida tem sido preservada pela Engenharia de Alimentos, empregos aos milhares são obtidos com as técnicas propostas nas várias engenharias, na ordem da geociência, na escola de arquitetura, no setor da economia e administração.

Mas o contributo da Unicamp vai além. Não apenas a vida dos corpos recebe preservação em nossas escolas e laboratórios. Nas ciências humanas e nas artes o espírito brasileiro recebe alimentos finos, da filosofia às coletas dos hábitos coletivos pela antropologia, da música aos movimentos corporais trazidos pela dança. A Unicamp ajuda a preservar a vida em todos os sentidos, dos físicos aos anímicos. Trata-se de um tesouro do povo brasileiro.

A saga da Universidade de Campinas, para ser captada em sua polivalência, precisava de uma narrativa à altura dos fatos. O fino autor de romances soberbos como “A Febre Amorosa” e o memorialista de “Jonas Blau” ajudou, com virtudes de imaginação, humor, apurada crítica e estilo, a contar a história de nossa universidade. A figura impar de Zeferino Vaz, carregada de significado humano, mescla-se às tempestades políticas, ideológicas, pessoais, grupais que definiram o perfil da Unicamp, nas páginas vibrantes escritas por Eustáquio Gomes, páginas que agora se condensam em livro, para memória das gerações futuras.

Entre as imagens da beleza e do saber antigos, a do pavão é das mais sugestivas. Em suas cores reúnem-se o mesmo e o outro, o sonho e a realidade, num abraço de elementos diversos. O pavão é conhecido como ícone da arrogância. Mas esta é apenas uma parte de seu peso simbólico. Tertuliano, grande pensador cristão, diz no “De Pallio” que a cauda daquela ave “nunca é igual a si mesma, sempre é diferente de si mesma, sempre é ela mesma quando outra”. Hegel, em tese copiada posteriormente por Marx, diz que o concreto é “síntese de múltiplas determinações, unidade do diverso”. Não existe ciência, verdade, beleza, sem união e diversidade. A Unicamp é bem sucedida porque enlaça a busca do diverso com a perspectiva do uno. É por tal motivo que ela se orgulha, a justo título, de ser universal.

Nessa hora de tanto desalento para a nação brasileira, a Universidade de Campinas não é signo de arrogância mas de alegria, ânimo elevado. Que todos os seus integrantes, funcionários e docentes, alunos e autoridades acadêmicas, recebam congratulações efusivas pelo excelente desempenho em prol da vida, verdade e beleza para o nosso povo.

Correio Popular, ....
Ucho Info, .....