O Napoleãozinho de Campinas
Simon Schwartzman
O Mandarim - História da Infância da Unicamp,
do jornalista Eustáquio Gomes, publicado em 2006 pela própria
Universidade, é sobretudo a história dos mandos e desmandos
de seu fundador, Zeferino Vaz, que havia sido antes interventor na Universidade
de Brasília e, antes ainda, fundador da Faculdade de Medicina da
USP de Ribeirão Preto. O livro é bem escrito, baseado em
depoimentos e documentos internos da Universidade, e um excelente exemplo
do que pode e não pode fazer um ditador. Entre 1966 e 1978, Zeferino
Vaz fez o que quis na UNICAMP, navegando nas águas turvas da ditadura
militar, exibindo quando necessário suas credenciais de anti-comunista
militante, defendendo e até tirando da cadeia ¨seus comunistas¨,
e manobrando todo o tempo para tirar do caminho as pessoas que questionavam
seu poder.
Zeferino tinha uma qualidade, que era haver entendido
desde cedo que ¨instituições científicas, universitárias
ou isoladas, constroem-se com cérebros e não com edifícios¨.
Curiosamente, o livro não diz nada sobre o que Zeferino Vaz fez
em sua própria área, de medicina e zoologia. Nas outras áreas,
que não conhecia diretamente, buscou nomes de grande prestígio
e reputação, trazendo para Campinas e dando total apoio a
alguns cientistas brilhantes que haviam feito seu nome no exterior, especialmente
Sérgio Porto, Rogério Cerqueira Leite, que criaram a nova
área de física do estado sólido, e a grande estrela
que era César Lattes, que permaneceu isolado. Na área das
ciências sociais e humanas, começou, não se sabe por
quê, entregando-a um obscuro professor de filosofia fenomenológica,
que foi um desastre; em economia, optou por fazer da universidade a continuadora
da tradição da CEPAL, então na moda na América
Latina; e descobriu depois que, com o fim da ditadura que já se
pressentia, era dos sociólogos marxistas que precisava, desde que
não fizessem política nem se confrontassem com ele. Em 1975,
promoveu um grande seminário internacional estrelado pelo historiador
marxista Eric Hobsbawm que deu à universidade da ditadura uma áurea
de centro avançado de pensamento de esquerda, preparada para os
anos que viriam.
Comparada com a criação da USP trinta anos
antes, que foi buscar nos centros universitários europeus os melhores
talentos, chama a atenção o provincianismo do projeto da
Unicamp, aonde o único estrangeiro de renome, que estava lá
por acaso, era o geneticista Gustav Brieger, que cedo se indispôs
com Zeferino e acabou se afastando. Zeferino entendia que sem cérebros
não se constrói uma universidade, mas nunca entendeu ou aceitou
que estes cérebros formam comunidades de pessoas ativas e pensantes,
sem cuja participação as instituições não
têm como crescer e fortalecer. O livro é rico de documentos
que mostram as brigas por poder na Universidade, mas nada que mostre a
existência de deliberações e consultas sobre programas,
prioridades, e política de recursos humanos.
O livro também vale pelas fofocas que revelam
o estilo e o caráter de muitos personagens que ainda estão
entre nós – mas isto fica para o juízo pessoal de cada um.
Simon’s Blog, 16/09/2007
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