Elias Thomé Saliba
Se a comemoração dos
70 anos da semana exigirá algum tipo de balanço intelectual,
o livro Os Rapazes d'A Onda e outros Rapazes, de Eustáquio
Gomes, deve constar obrigatoriamente em qualquer repertório sobre
o tema. Trata-se de um ensaio sobre as ressonâncias do Modernismo
para além do seu centro irradiador — a capital paulista —, especialmente
em Campinas e com desdobramentos em outras cidades como Jaú e Bauru.
O autor conseguiu juntar ao seu
talento literário uma investigação minuciosa e, não
raro, surpreendente. Utilizando-se de inúmeros jornais de
Campinas e região, farta documentação de arquivos
particulares e sete depoimentos preciosos sobre os escritores e a época,
Eustáquio Gomes reconstrói os anseios, expectativas e frustrações
da intelligentsia formada por obscuros escribas e jornalistas de ocasião.
As trajetórias pessoais
mesclam-se aos eventos políticos e, sobretudo, ao efervescente clima
cultural de Campinas. A agitação cultural começa
em junho de 1913, com uma exposição de Lasar Segall, patrocinada
pelo inusitado Senador Freitas Valle, e termina por volta de 1925-26, quando
a principal publicação do grupo de escritores campineiros,
A Onda, deixa de circular, encerrando a sua curta carreira.
Reaparecem das sombras as notáveis
trajetórias de escritores injustamente obscuros, os quais, politicamente
tributários do poderoso PRP, se envolvem num estimulante debate
sobre o futurismo — uma panacéia em torno da qual giravam quase
todas as polêmicas literárias entre 1913 e 1925. Hildebrando
Siqueira, espécie de líder do grupo e que escrevia em 1924:
"Os tempos que atravessamos são da eletricidade, do automóvel,
dos viadutos que encurtam as distâncias, por conseguinte cumpre sintetizar
as idéias, aproveitar o tempo e o não tomar ao leitor".
Traduzia assim o sonho futurista da província, o anseio geral do
grupo em promover um ajustamento da síntese literária à
aceleração histórica produzida pelo encurtamento das
distâncias (p. 120). Os outros "rapazes" eram: Apolônio Hilst,
o então jovem agricultor ilustrado, com invejável lucidez
estética, conhecido como o "futurista de Jaú"; Victor Caruso,
humoris-ta e tradutor avulso de Trilus-sa, o poeta dialetal italiano; Aristides
Monteiro, jornalista e poeta precoce, cuja pequena obra ficaria na obscuridade;
e Rodrigues de Abreu, louvado por Mário de Andrade e cuja trajetória,
embora curta, talvez tenha sido a mais interessante.
O resultado geral é uma
visão inédita dos "modernistas de província", que
tentavam captar toda a efervescência da modernidade em Campinas —
"a urbe já dinâmica e barulhenta mas ainda com um colorido
de feira agrária". É neste cenário de uma modernidade
meio canhestra e claudicante que esta geração ensaia o projeto
paradoxal de "fazer descansar Campinas na ponta da Torre Eiffel".
Os Rapazes d'A Onda ultrapassa
uma análise puramente literária dos poemas, contos, epigramas,
blagues e paródias destes “futuristas de província”.
Alguns eventos — como a visita do escritor português Antonio Ferro,
performer futurista, saraus da pianista Guiomar Novaes ou da declamadora
Margarida Lopes de Almeida, conferências de Coelho Neto, Menotti
Del Picchia ou Cornélio Pires — tornaram-se mais importantes e decisivos
dada a ebulição cultural que provocavam. Neste aspecto,
o livro enquadra-se na melhor linhagem da historiografia cultural pois,
ao invés dos textos e obras com um sentido absoluto e chaves próprias
(às quais cabe ao crítico decifrar), o que temos constitui
um conjunto vivo de práticas e eventos.
Elias Thomé Saliba é
professor de Teoria da História na USP e autor de As Utopias Românticas
(Brasiliense). |