Oitavas

Eustáquio Gomes

Fiz anos ontem. Aqui e ali, no correr do dia, recebi alguns cumprimentos.  De manhã telefonou o Lopes, o dos Correios. O Lopes é um boa-praça, deu-me os parabéns e convidou-me para uma cerveja na casa de um amigo dele.

No Jornal, ganhei dos colegas um bonito cartão do UNICEF. E à noite, em casa, soprei vela.
O cartão mostra uma paisagem suíça e um alpinista pendurado entre cordas. Abaixo do alpinista está escrito: "Para o alto, sempre para o alto!" Pouco mais abaixo há uma outra legenda, mas essa escrita em nanquim pelos rapazes, dentro de um "baloon" que aponta para o alpinista.  Diz: "Pequeno mas trepador".

Referem-se a um recente caso meu com umas mulheres de Viracopos. Essas mulheres vieram um dia me procurar no Jornal. Alegavam que eu lhes devia dinheiro. Para dizer a verdade, eu nem mesmo conhecia-as direito. Mas eram bonitas e apesar do escândalo que isso foi, ganhei excelente reputação no Jornal. Mas o chefe me chamou de moleque, o que estragou um pouco a coisa.

Ontem, por ser o meu aniversário, o chefe desceu do seu pedestal e veio me apertar a mão. Os caras me cercaram e começaram um canto de gralha. Senti a mão do chefe no meu ombro. Falou: "Não é que envelhece também, hem, senhor Juabre? "Quis saber a idade. Disse-lhe. Ele riu e observou: "Bem, isso mostra que já não é um garoto". Lembrei-me do caso das putas e respondi que sim, mas que mostrava também que eu não era velho. Foi só reparar no seu cabelo grisalho e me arrepender do que tinha falado. Ele ficou com um ar amuado.

Nessa altura os caras já não cantavam: uivavam, cacarejavam, latiam. Era uma cena idiota. O Gedeão podia entrar a qualquer hora. O que eu tinha a fazer era descer e ir tomar uma cerveja no Faca's.

Entrei na rua cheia de sol. Andei devagar até o Faca's. Bebi a cerveja encostado no balcão, vendo a rua. Via também um bom pedaço de céu com grandes nuvens paradas, o calor despencando em ondas quase visíveis. O bar estava cheio. Havia um televisor na última prateleira entre garrafas de vinho tinto. Todo mundo olhava para lá, inclusive Job Faca, do lado de dentro do balcão.

Fiquei ali um tempão vendo as coisas acontecerem. Não acontecia nada. O sol foi baixando aos poucos, mas o calor continuava impregnando o ar, as paredes e o balcão.  Por fim o ruído, o suor e talvez também a cerveja foram me deixando num torpor que me fez desejar sair dali. Em vez disso, pedi mais uma cerveja.  Foi quando começou na rua o foguetório. Aos rojões se juntou um formidável carnaval de buzinas. O bar se esvaziou depressa. O ar se encheu de cheiro de pólvora. Ora as buzinas eram mais intensas que os rojões, ora os rojões tapavam completamente as buzinas. Aquilo durou. A segunda cerveja não estava muito boa. Paguei e saí, entrando no fluxo das pessoas no calçamento.