O  VALE DE SOLOMBRA
 
 
 
 
 
 
 
 
  SOMBRA, ENCANTO E MISTÉRIO
 

O que aconteceu com Luís Quintana, o livreiro que acredita no que vê e teve a vida virada do avesso? É o que a mulher, o filho, o amigo Benjamin e os leitores tentam descobrir neste O Vale de Solombra. Mistério, encanto e perplexidade atravessam as páginas do novo romance de Eustáquio Gomes, o mestre de A Febre Amorosa. Com texto e humor ainda nais refinados, o escritor reafirma-se como exímio artesão e tece uma inquietante teia que nos segura e sacode das primeiras às últimas linhas.

Os capítulos iniciais parecem minicontos, mas aos poucos se percebe o elo que une personagens, trama, tempo e espaço. Cartas, livros, viagens, busca e fuga, passado e presente, memória e mistério, metafísica e cotidiano, o Brasil e o mundo. Aqui reverberam, em sutil homenagem, autores como Borges,Cecília Meireles, Machado de Assis, Drummond, Guimarães Rosa, Juan Rulfo e Lewis Carroll. Sem contar com a “participação” de Richard Wilhelm, o tradutor do I Ching, e seu amigo Carl Jung, que interpretava sonhos como ninguém

De Borges, podemos ver, por exemplo, os labirintos, a multiplicidade de desenlace, a rede de tempos divergentes, convergentes e paralelos do conto “O jardim de veredas que se bifurcam” – e ainda temos um personagem chamado Funes. Talvez Eustáquio Gomes tenha se inspirado também no último livro de Cecília Meireles, Solombra, palavra do português arcaico que nos deu sombra. Nesses poemas de Cecília o tempo se amplia por todos os tempos, “todo horizonte é um vasto sopro de incerteza”, como em O Vale de Solombra.

A sombra de Minas que Drummond viu desaparecer e permanece na obra de Guimarães Rosa está presente neste livro. Do velho e sempre novo Machado, Eustáquio Gomes herdou a arte de enredar o leitor com uma prosa econômica e
sublime, o humor inteligente, o tom machadiano inconfundível. Em vários momentos de O Vale de Solombra sentimos algo da atmosfera mágica e onírica de Pedro Páramo. Gatos de Alice no País das Maravilhas se esgueiram por esses labirintos. O resultado de tudo isso é este pequeno e belo clássico moderno que temos nas mãos. Uma joia lapidada por um habilidoso ourives, um romance para ser degustado feito bebida preciosa.
 

HUGO ALMEIDA